domingo, 24 de novembro de 2013

AS DIFERENTES "LEITURAS" DO DESIGN

Olá, amigos!

Indico o artigo "O design é um atalho mental", do designer Ricardo Leite, publicado no jornal OGLOBO, sobre a presença do design em nosso dia a dia e como lidamos com suas diferentes "leituras". Imperdível! 

http://oglobo.globo.com/blogs/conexao-design-rio/

Abraços!

sábado, 2 de novembro de 2013

DOCÊNCIA, DESIGN, COTIDIANO*


Vivenciamos processos 
contínuos em nosso dia a dia, mas estes não necessariamente configuram-se como processos evolutivos. Lidamos com a "sintaxe" da rotina, aquela que ordena, posiciona e estrutura nossas ações para um propósito qualquer, mas sem nos darmos conta da "semântica" de tais ações, aquela que possibilita a compreensão e o entendimento do que de fato estamos fazendo ou da real posição que ocupamos nestes processos, distanciando-nos – pelo forte imediatismo que nos abraça – dos significantes e significados em nosso cotidiano. Nos condicionamos ao exercício da prática pela prática.

Recordo-me de quando a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança foi disseminada em campanhas publicitárias de tal forma que, ao entrarmos num veículo, o colocávamos automaticamente. E a partir de uma necessidade urgente e de caráter punitivo, tornou-se uma prática. Mas isso não foi, como ainda não é, suficiente para reduzirmos os altos índices de acidentes no trânsito. O ato de colocar o cinto é parte do processo que tem por objetivo a segurança do indivíduo; porém, não faz do condutor um bom motorista. A prática de atos em comum, por mais que tragam benefícios, não nos transformam em sujeitos socialmente ativos, não inibe o contínuo processo de atrofia do pensamento e do nosso comportamento. As relações acontecem e são construídas sobre e em vias de mão dupla.

Fazendo uma analogia a este fato, podemos contextualizar as áreas e campos de atuação profissional e abordar essas relações no dia a dia. Nos damos conta de que projetos, objetivos e metas individuais, as ambições, as cobranças que carregamos quanto a competência, eficiência e produtividade, a busca pela autossuficiência, nos distanciam do equilíbrio consciente entre os aspectos sociais, econômicos e ambientais, ou seja, aqueles inerentes a vida, onde deveriam residir nossos princípios.


Devemos cultivar sonhos, anseios, desejos, mas, ver o outro somente como adversário ou oponente, como ameaça constante, acaba por construir fronteiras, e estas, muitas vezes, de caráter hostil.


Cabe aqui uma questão: estamos refletindo – em meio a tantas tarefas ordenadas e normatizadas – quanto ao que é necessário para nos inserir e interiorizar questões relevantes em direção ao futuro, e de fato, coexistirmos para não simplesmente nos adaptarmos e existirmos em sociedade?
Mediadores para a prática da coautoria
Proponho uma reflexão sob a perspectiva de duas esferas que, para este autor, contribuem de forma concreta e significativa quanto ao despertar da conscientização e da motivação para o desenvolvimento dos processos de coautoria e do consequente equilíbrio no meio em que vivemos: o exercício da docência no ensino superior e sua importância para a formação do indivíduo e do profissional; e o design, como área do conhecimento cuja prática conduz e materializa diferentes intenções do ato comunicacional ao projetar interfaces para o cotidiano – palco das convergências e divergências, dos contextos instáveis, mutáveis e de constantes intervenções e transformações.

Na esfera educacional, luta-se – desde os primeiros ensaios da escola nova – por um ensino que forme sujeitos críticos, autônomos, de caráter transformador, atores conscientes de seus protagonismos, interados e integrados ao meio socioeconômico, político, cultural, histórico e ambiental do país. Entendo essa luta como o exercício da reflexão para a prática da coautoria, da corresponsabilidade, pois não existimos no vazio, não construímos nada sozinhos. Paulo Freire (1996, p.54) diz que "o fato de me perceber no mundo, com o mundo e com os outros me põe numa posição em face do mundo que não é de quem nada tem a ver com ele". O autor acrescenta que "minha presença no mundo não é a de quem a ele se adapta mas a de quem nele se insere. É a posição de quem luta para não ser apenas objeto, mas sujeito também da História" (FREIRE, 1996, p.54).

Vejo, por exemplo, que ações como a prática de separar o lixo, de deixar o carro na garagem, de imprimir em papel reciclado, são atos mecanizados e insuficientes para fazer de nós seres socialmente ativos, podendo ser interrompidos ao menor sinal de insatisfação, desvalorização ou descontentamento com o próprio ato em si. O fator para desenvolvermos o equilíbrio nas esferas do cotidiano reside na reflexão da prática e do consequente processo de coautoria em todas as instâncias que regem a sociedade, o que de fato não ocorre. Num mesmo espaço físico um indivíduo recolhe garrafas pet para reciclagem enquanto o esgoto de sua cidade é despejado no mar. O que você faz, faz para si, para o outro e com o outro.

A 'sustentabilidade', assim como o discurso em torno dela, tornou-se uma constante, como os hábitos no início do texto, uma prática que muitas das vezes não passa de mera ilustração. Pensar com mentalidade acadêmica – sem que a circulação de conhecimento não se restrinja ao interior da sala de aula, aos auditórios, sem que recaia em academicismos – configura-se numa contribuição urgente para que a sociedade entenda o que de fato esta palavra significa no dia a dia, para enfrentarmos conscientemente o mundo real e suas complexidades. De acordo com Rafael Cardoso (2012, p. 42),
uma das grandes vantagens de reconhecer a complexidade do mundo é compreender que todas as partes são interligadas. Sendo assim, as ações de cada um juntam-se às ações de outros para formar movimentos que estão além da capacidade individual de qualquer uma de suas partes componentes.

A universidade carrega em seu interior um papel essencial quanto a legitimação da busca para não simplesmente nos adaptarmos ao mundo, como colocou Freire (1996), mas de nos reconhecermos como sujeitos capazes de promover mudanças no meio em que vivemos, motivando rupturas, quebra de paradigmas, a construção de novos questionamentos e a busca por soluções coletivas, como propõe Cardoso (2012).


Isso se inicia na escola e se confirma ao longo da trajetória acadêmica do aluno, diante da relação dialética entre educador e educando, independentemente da área de conhecimento e do propósito para o qual se destina. Marcos Masetto (1998, p. 23) entende que "é importante que o professor desenvolva uma atitude de parceria e corresponsabilidade com os alunos, que planejem o curso juntos, usando técnicas [...] que facilitem a participação". O autor diz que deve se considerar em âmbito acadêmico os "alunos como adultos que podem se corresponsabilizar por seu período de formação profissional" (MASETTO, 1998, p. 23).

Segundo Pedro Goergen (2003, p. 102), este conceito de "formação" deve ser entendido "no seu sentido mais amplo e profundo de conscientização e familiarização com os grandes temas e problemas que envolvem e preocupam o ser humano na atualidade". O autor defende "que o dever formativo é parte inerente ao compromisso social da universidade" (GOERGEN, 2003, p. 102).

Este pensamento nos conduz ao cerne da discussão a respeito da contribuição do ensino superior para questões sustentáveis. Trata-se de um tema que deve ser trabalhado de maneira interdisciplinar no conteúdo curricular de cada campo de atuação profissional, de maneira que haja uma integração e uma consequente aplicação imediata além dos corredores da universidade. Tomaz Tadeu (2011, p. 15) complementa a questão ao colocar que
nas discussões cotidianas, quando pensamos em currículo pensamos apenas em conhecimento, esquecendo-nos de que o conhecimento que constitui o currículo está inextricavelmente, centralmente, vitalmente, envolvido naquilo que somos, naquilo que nos tornamos: na nossa identidade [...].

A esta formação e a esta trajetória curricular credencia-se o indivíduo e profissional – neste caso, o designer – a se inserir no mundo de forma a enxergar sua competência e, principalmente, sua capacidade de reflexão sobre a própria prática, integrando-se aos problemas do dia a dia. Cardoso (2012, p. 43) enfatiza que "se todos adquirirem alguma consciência do tamanho e do intricado das relações que regem o mundo hoje, será possível caminhar coletivamente em direção a um objetivo, seja qual for". Ele complementa o pensamento ao dizer que "o grande inimigo é sempre a ignorância, e as ideias preconcebidas que derivam da falta de exercício do pensamento" (CARDOSO, 2012, p. 43).


Assim, o processo de coautoria, amadurecido no meio acadêmico, se estenderá às diferentes atuações profissionais para então ser legitimado nas relações com o cotidiano. O design é uma delas, cuja substância maior é formada pela prática projetual em diferentes campos. Bonsiepe (2011, p. 85) observa que:
à primeira vista, talvez não seja evidente que a apresentação de conhecimentos requer a intervenção de atos projetuais. Sem eles, a mediação, a transmissão e a apresentação dos conhecimentos não funcionariam. Essa mediação ocorre em uma interface em que o conhecimento pode ser percebido e assimilado pelo usuário.

Bonsiepe (2011) revela a "imprescindibilidade" do design e suas especificidades na construção dessas interfaces para uso cotidiano, do recolhimento e análise de dados a sua organização para pronta assimilação do usuário, podendo ser no acesso a uma estação de metrô, na sinalização no interior de um hospital, num documento impresso de alguma corporação ou no acesso on-line a uma instituição financeira qualquer. Projeta-se conhecendo as pessoas, com as pessoas e para as pessoas, pois tal prática possui significância, benefício para o outro.
 

Entendo que a contribuição desta área para "com os grandes temas e problemas que envolvem e preocupam o ser humano na atualidade", como Goergen (2003) já evidenciou – e leia-se aqui sustentabilidade –, está justamente em se abrir ao mundo.


No campo de atuação do designer gráfico, por exemplo, prega-se na esfera do senso comum e entre os próprios profissionais, a percepção reducionista e restrita como sujeito detentor da capacidade técnica imediatista para solucionar problemas de comunicação visual, como área subordinada ao marketing e a publicidade, como aquele que promoverá de forma única e exclusiva o diferencial estético de uma empresa para sua concorrente, de um produto para o outro. Sua colaboração vai além da criação dos elementos gráficos que sustentam a ampla exposição de uma marca no mercado através dos diferentes suportes de divulgação.


Hoje, mais do que nunca, cabe ao designer contribuir ao pensar em sintonia com empresários e consumidores para o desenvolvimento de projetos que reduzam o 'impacto' de uma marca no meio ambiente. A universidade e o docente tem importante papel neste cenário ao contribuir para a formação e percepção do profissional, principalmente para a prática sustentável. No campo editorial, para citarmos um breve exemplo, editoras publicam livros com a singela criação de capas sem grandes áreas de impressão chapada, cujo objetivo é evitar o excesso de tinta visando facilitar o processo de reciclagem do papel.


O design tem a facilidade de infiltrar-se no dia a dia de uma corporação, de transitar entre instâncias, setores e negócios, participando desde o início do pensamento estratégico para a criação de novos produtos e serviços, na gestão de marcas, pois tem a capacidade de lidar com recursos intangíveis. Este profissional está inserido como parte integrante da chamada "economia criativa", onde alinha-se o conhecimento à criatividade, dois alicerces para as questões sustentáveis.


Como afirma Rique Nitzsche (2012, p. 161), existe "vida inteligente e estratégica na prática do design". Para isso, é necessário que este profissional transcenda as funcionalidades, mas sem desprezá-las, se reconheça e seja reconhecido como sujeito capaz de sentar-se à mesa para grandes discussões, propor caminhos e a busca por soluções coletivas inovadoras para necessidades reais e complexas, em âmbito social, econômico e ambiental.
Soluções criativas e coletivas
Refletimos ao longo deste escrito, que todos os saberes nos conduzem para o mesmo fim, o de coexistirmos, pois nenhuma "competência" termina ou se faz apenas em mim ou no outro. Necessitamos compartilhá-la em benefício do todo e não somente colocá-la "à venda". Para adquirirmos consciência do que é ser sujeito socialmente ativo, participativo e colaborativo quanto as questões do cotidiano, precisamos reconhecer que não basta o hábito, a prática pela prática, é necessário perceber que vivenciamos um intenso processo onde a posição que ocupamos é a mesma do outro, a de coautor.

Tal percepção deve ser motivada nas escolas para então ser desenvolvida com maturidade ao longo do processo formativo acadêmico do sujeito, sendo legitimada ao ser colocada à prova por meio das diferentes áreas do conhecimento. Não há tempo a perder com a possível competência do "eu", mas sim na eficácia do "nós". Pensa-se em "soluções criativas" com "soluções coletivas" contextualizadas a dinâmica mutável da sociedade, onde o design desempenha importante papel ao pensar projetos desde o seu embrião, para então materializá-los.


Vimos que há conteúdo intrínseco e inerente à formação deste profissional que o torna sujeito detentor de conhecimentos, que o credencia a se colocar como indivíduo provido de capacidade intelectual e técnica para ser reconhecido com maior abrangência social, como 'sujeito do cotidiano'.

Que esta reflexão circule e se transforme pelos corredores, pelas salas de aula, pela universidade, entre docentes e futuros profissionais do design, que atinja os empresários, instituições e corporações, e avance para o cotidiano, em busca de soluções para desenharmos uma sociedade que abrace as próximas gerações de forma consciente e renovada.

Referências:

BONSIEPE, Gui. Design, cultura e sociedade. São Paulo: Blucher, 2011.
CARDOSO, Rafael. Design para um mundo complexo. São Paulo: Cosac Naify, 2012.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GOERGEN, Pedro. Universidade e responsabilidade social. In: LOMBARDI, J. C. (Org.). Temas de pesquisa em educação. Campinas: Autores Associados, 2003. p. 101-122.
MASETTO, Marcos. Professor universitário: um profissional da educação na atividade docente. In: ______. Docência na universidade. Campinas: Papirus, 1998. p. 9-27.
NITZSCHE, Rique. Afinal, o que é design thinking? São Paulo: Rosari, 2012.
TADEU, Tomaz. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2011 (3ª edição).

*Texto originalmente escrito no interior do curso de 'Pós-Graduação em Docência no Ensino Superior' e adaptado para o blog. 

domingo, 26 de maio de 2013

TRANSPOSIÇÃO CONSCIENTE DE CONHECIMENTOS*


Para que a trajetória do educando no ensino superior se configure em êxito – a este atribuo sua formação como sujeito socialmente ativo e profissional de mercado –, é de responsabilidade da universidade advogar a relação professor-aluno sob a regência de um projeto educacional capaz de permitir a ambos, o protagonismo e a corresponsabilidade ao negociarem juntos as condições favoráveis para o processo formativo acadêmico nas diferentes áreas do conhecimento.

Tais condições perpassam e se estruturam através de alicerces que vão da própria trajetória particular do professor e do aluno – inseridos num contexto histórico, social, político e econômico – ao campo das ciências promovedoras da legitimação e do suporte para a educação, sendo elas a pedagogia e a psicologia.

Mas este docente, adequado ao seu tempo, na figura de mediador, de motivador, de cúmplice do propósito acadêmico, é capaz de abraçar as diferentes manifestações que transitam entre a universidade e o cotidiano fora dela, em esferas que ultrapassam o domínio da sala de aula e as diversas problemáticas que dela se elevam? Como exercer e conduzir a prática docente através deste cenário tão desafiador? Proponho uma discussão acerca dessas inquietudes com base nas ciências acima citadas e em suas contribuições para o desenvolvimento educacional no ensino superior.

Inicialmente coloco em pauta que nada se constrói no vazio, principalmente na educação, que deveria ser o ideal maior de toda e qualquer nação que almeja desenvolver-se no campo da consciência sociocultural e científica, independentemente de sua natureza periférica ou de centro – entendo tais conceitos num contexto político-econômico e não geográfico. Discute-se, em esferas governamentais e mercadológicas, "competência", "eficiência", "qualidade" do ensino, mas estaríamos supervalorizando os métodos em detrimento do lado humano do sujeito, do professor?

A construção do conhecimento se dá ao longo de nossa grande jornada, numa infinidade de experiências que nos fazem seres detentores de particularidades cuja personalidade, pessoal e intransferível, percorrerá toda a nossa existência. Por isso não somos neutros, não somos seres desprovidos de influências alheias, não gozamos de um status de liberdade sem dimensionar o poder daquilo que foi absorvido desde o útero materno; nos primeiros passos, sons, texturas e palavras da infância; nas dúvidas e questionamentos da adolescência; nas incertezas e pressões da vida adulta aos últimos anseios, memórias e recordações já na velhice.

Na condição de seres socialmente ativos, construímos nossa autonomia sob a segurança de uma personalidade compatível com o contexto social, com o padrão de vida em sociedade, embora este último possa ser muitas vezes questionado. E é exatamente no campo educacional, no instante em que a criança inicia sua vida escolar, que esta começa a se manifestar aos olhos do outro. Segundo Marcos Vinicius da Cunha (2008, p. 9) "ao enfocar a psicologia da educação partindo dos paradigmas psicológicos, teremos a oportunidade de encontrar em cada um deles reflexões sobre a sociedade e a cultura". O autor complementa ao nos dizer que

é importante verificar que os paradigmas da psicologia incluem, sempre, uma concepção da problemática individual inserida no terreno das relações sociais. E não poderia ser diferente, uma vez que o ser humano não existe isoladamente. Assim, quando o professor almeja utilizar conhecimentos da psicologia em sua prática pedagógica, deve estar ciente das implicações políticas e culturais que tal atitude pode conter. Afinal, a formação de crianças e jovens na escola é um trabalho de socialização. (CUNHA, 2008, p. 9)

A pedagogia, assessorada pela psicologia, constituem ambas um grande arcabouço de conhecimentos prontos para serem acessados, apropriados e transpostos para o campo educacional; porém, cabe ao docente a certeza de que não existe manual do aluno, não existem métodos acabados e definitivos, como se pudéssemos abrir a gaveta de uma delas e pinçar dali uma sentença para cada caso. Sobre tal pensamento, Cunha (2008, p. 10) nos diz que "[...] nenhuma ciência possui tais soluções, pois educar é algo que se define em campos que vão além da ciência. [...] é aos educadores que cabe a tarefa de julgar em que medida e em que sentido essa contribuição será por eles empregada".

No instante em que se abre a possibilidade de haver uma relação dialética entre educador e educando, esta proximidade dá margens para os problemas que transcendem o campo dos estudos pertinentes ao nível escolar, aos saberes institucionalizados. Abre-se uma grande janela para a vida além do próprio ensino, colocando o docente em contato com o que há de mais profundo e íntimo daquele aluno. Isso faz com que a mera relação em sala de aula não dê conta dos problemas ocultos, que encontram-se muito além da ausência de concentração, da indisciplina, das dificuldades em se expressar textual e verbalmente, da falta de motivação com relação a esta ou aquela disciplina entre outras manifestações. Marcos Masetto (2008, p. 15) contribui com nossa discussão ao dizer que

para as faculdades e universidades, admitir essa dimensão de aprendizagem significa abrir espaços para que  sejam expressos e trabalhados a atenção, o respeito, a cooperação, a competitividade, a solidariedade, a segurança pessoal – superando as inseguranças próprias de cada idade e de cada estágio –, a valorização da singularidade e das mudanças que venham a ocorrer, e um relacionamento cada vez mais adequado com o ambiente externo.

Dentre os vários paradigmas que constituem o campo da psicologia, julgo relevante para a prática pedagógica a teoria da psicanálise, na qual enuncia Cunha (2008, p. 15) que esta propõe "menos ênfase no método, mais preocupação com a pessoa". Ao aprofundarmos este paradigma, encontraremos críticas e apontamentos favoráveis a sua aplicabilidade ou ausência desta para o ensino, sendo o interesse maior aqui expor e abordar questões que nos levem a refletir sobre o que pode ser aproveitado de forma consciente pelo professor, de acordo com a natureza de seus enfrentamentos. Quando falamos em "pessoas" e não em "métodos", humanizamos o processo formativo, nos referimos à construção do indivíduo, afinal de contas não lidamos com máquinas.

Fazer da sala de aula um grande laboratório para análises psicoterapêuticas também não é o propósito. Ao adentrarmos o campo dessas ciências devemos nos preocupar em não nos tornarmos meros observadores de atitudes que irão se transformar em estatísticas, em números, em páginas de revistas de pesquisas sem objetivo prático-reflexivo. O cuidado para que não haja um alinhamento cego com testes, com exames psicológicos e seus resultados – os psicodiagnósticos, por exemplo – com propósito de aferir níveis de inteligência, capacidades e deficiências no desenvolvimento intelectual do educando, precisa ser encarado com responsabilidade e rigor pelas instituições de ensino, avaliando ao lado do docente se tais procedimentos possuem, de fato, relevância para o projeto pedagógico.

Para Paulo Freire (1996, p.115): "Sempre recusei os fatalismos. Prefiro a rebeldia que me confirma como gente e que jamais deixou de provar que o ser humano é maior do que os mecanicismos que o minimizam".

Para o autor deste escrito, o professor jamais deverá se distanciar daquilo que o credencia como educador: a sua sensibilidade para ouvir, para entender, para desvelar aquilo que muitas vezes se mostra em sala de aula através do silêncio. Trata-se de uma grande contribuição da teoria psicanalítica para a educação. A observação se traduz em atitude de coautoria no processo de desenvolvimento do aluno. Deste modo a psicologia, na figura do psicanalista, se apresenta como parceira, como suporte, e não como um mero instrumental.

Vimos que o docente, na condição de ser inacabado, assim como sua prática, pode – e deve ser assim – abraçar diferentes abordagens no interior de seu exercício pedagógico, desde que numa cumplicidade mútua com a instituição de ensino e seus alunos. Em meio ao arcabouço de teorias e paradigmas, em meio a uma trajetória árdua e contínua, esperamos encontrar um docente capaz de romper com o ensino tradicional ao exercer a transposição consciente de conhecimentos advindos de ciências parceiras, em benefício de um processo educacional que forme cidadãos críticos, socialmente ativos e acima de tudo, com autonomia.

Esperando que as inquietudes até aqui expostas não se esgotem, concluo esta reflexão nas palavras de Célestin Freinet (2004, p. 9): "Voltamos a dar à pedagogia aquele aspecto familiar, misto de hesitações e de audácias [...]. Voltamos a colocar a educação no próprio seio do devenir do homem".

Referências:
CUNHA, Marcos Vinicius. Psicologia da educação. Rio de Janeiro: Lamparina, 2008.
FREINET, Célestin. Pedagogia do bom senso. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
MASETTO, Marcos. Professor universitário: um profissional da educação na atividade docente. In:_______. Docência na universidade. Campinas: Papirus, 1998. p. 9-27.

*Texto originalmente escrito no interior do curso de 'Pós-Graduação em Docência no Ensino Superior'  na Universidade Estácio/RJ – para a disciplina 'Construção do Conhecimento', ministrada pela Professora Therezinha de J. Conde Pinto. Adaptado para o blog.